by Sílvia Regina Alves Fernandes (Doctoral Candidate, Federal University of Rio de Janeiro) - a paper presented at CESNUR 2000 international conference, Riga, Latvia, August 29-31, 2000 [1]
Introdução
Que católico poderia prever nos anos 80, que num espaço de 10 anos assistiria a uma virada radical de sua religião através de um veículo utilizado como forma de lazer e acesso a informações gerais? Não que a TV não entrasse em várias esferas da vida social, mas especialmente quando o assunto era religião, cada fiel recorria à sua, nos templos, nas pequenas comunidades, nos centros, nos terreiros, nos espaços alternativos encontrados para expressão da fé. Incomum era ficar diante da TV durante horas para assistir a uma missa, abençoar objetos e água, dançar, cantar e chorar; incomum era marcar compromissos depois ou antes da Missa de algum padre ou incorporar na agenda do fim de semana, um tempinho para a ida aos mega-shows religiosos ou parar diante de uma banca de jornais para comprar a revista cuja capa contém a foto do ídolo preferido, um Padre carismático.
A reflexão sobre a religião na visão Weberiana destaca o sentido norteador da ação como um termômetro importante para a compreensão da conduta religiosa. Os movimentos emocionais que afloram com toda força nestes últimos tempos, certamente dizem algo aos analistas sociais. A questão que se coloca como pano de fundo deste artigo é a compreensão de um destes movimentos, a RCC (Renovação Carismática Católica) que para atingir seus objetivos de transmissão da mensagem religiosa e sensibilizar novos adeptos através das mobilizações de massa, faz parceria com um forte aliado: a mídia.
Padre Marcelo Rossi é uma figura importante para pensar a lógica evangelizadora do catolicismo no Brasil e sua relação com a mídia. Este artigo quer explorar estes dois aspectos: como se articulam a ação de Padre Marcelo e a RCC e o lugar da mídia nesse processo.
"Evangelizar": primeira proposta da RCC
"Evangelizar com novos métodos mas sem contudo, perder o conteúdo, que é a doutrina da Igreja"(Marcelo Rossi)
No documento intitulado Ofensiva nacional (1993), o Movimento de RCC explicita seus objetivos e estratégias para penetração nacional de seu carisma. Dentre seus objetivos encontra-se o crescimento de ao menos 1% ao ano; a formação de "Comunidades Eclesiais Carismáticas" ; formação de um grupo de oração por Paróquia [2]; estar em 95% das dioceses do Brasil. Para alcançar estes, dentre outros objetivos, o documento traça estratégias bem definidas como por exemplo, o uso da TV em rede nacional [3].
Mariz (1998) afirma que a Rede Vida (inaugurada em 1995) vem responder à uma preocupação da Igreja Católica referente à pouca ou má utilização dos meios de comunicação. Embora não pertencendo à Igreja e sendo gerenciada pelo INBRAC (Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã), a autora informa que é forte a presença episcopal no conselho superior deste Instituto.
O que fica cada vez mais óbvio sobre o uso da mídia pelo catolicismo e em especial, pela RCC, é que a missão de "anunciar a boa nova" exige método e investimento das Igrejas ocorrendo então uma modernização que demonstra o caráter objetivo de um determinado tipo de ação religiosa. O uso da mídia para a transmissão da mensagem religiosa passa então por uma elaboração metodológica não tão simples quanto possa parecer. Entretanto, a literatura aponta como uma possível tendência ao esgotamento do movimento de RCC em si mesmo, o alto nível de burocratização que ele apresenta (Carranza, 2000).
Aprendemos de Bourdieu que para compreender alguma coisa é preciso compreender o campo que a produziu e que está conferindo força a tal coisa observada. Se analisarmos o pensamento da RCC sobre "evangelização" poderemos melhor entender o sucesso do padre Marcelo Rossi através do uso dos meios de comunicação.
A RCC não se auto-define como um Movimento e muito menos como restaurador de estruturas sociais e nesse sentido, sua ação não se constitui enquanto ato político no sentido estrito da palavra. A questão que se coloca para este grupo é inerente à sua origem. Ao fazerem a experiência do Espírito Santo, os adeptos acreditam que tal experiência deve ser vivida por todos no catolicismo e entende-se que a evangelização é um meio de chegar a um fim pretensioso: "renovar toda a Igreja". É fato observável que a visibilidade nacional do Movimento tomou corpo a partir da figura de Padre Marcelo Rossi nos anos 90, já que os grupos de oração existem no Brasil desde os anos 70. A RCC foi tecendo sua penetração nas massas a partir dos encontros nacionais de suas lideranças, da adesão de boa parte do episcopado e de seu discurso onde se enfatizava a pertença ao catolicismo.
Padre Marcelo é um jovem de 33 anos que na infância e adolescência participou de encontros e missas da RCC. Sua família católica era também ligada ao Movimento. Padre Marcelo relata que embora frequentasse os encontros da RCC, aos doze anos não se identificava com o gestual proposto pelo movimento. Aos 19 anos, entretanto devido à morte de um primo, retorna à RCC (Folha de SP- 06/02/00).
"Não perder o conteúdo" é, para o padre Marcelo Rossi uma condição necessária à evangelização. Esta norma porém, não pode ser seguida pelo Movimento dado o caráter de sua própria constituição: o Movimento propõe que se viva um "novo catolicismo", mas deseja que o fiel esteja adequado às suas regras e orientações. Padre Rossi agrada a velhos e novos católicos e sua performance demarca manutenção da ordem institucional de maneira aparentemente paradoxal. Examinemos esta afirmação.
Atualmente presenciamos que o protestantismo de cunho pentecostal tem avançado significativamente no Brasil [4]. Inúmeras Igrejas são criadas em curtos espaços de tempo e isso provoca por um lado estímulo ao pertencimento institucional e por outro, reações em diversas esferas da sociedade no sentido de que a religião parece não ser mais algo que se adquire através da família ou da tradição e com isso, seu espaço na vida social ganha novas matizes. Critica-se aí o caráter mutante das escolhas individuais por práticas religiosas tão diversas e de forte apelo emocional. Diante disso, o catolicismo vê-se frente a alguns desafios: ou inova ritualmente ou mantêm-se fora do campo de escolhas de novos pertencimentos tendo em vista que, não é mais suficiente ter nascido em uma família católica para exercer práticas religiosas do catolicismo ou afirmar a identidade católica.
Mas se o catolicismo parece inovar na medida em que se abre ao uso da mídia de maneira mais ousada, similar aos pentecostais [5] e que estimula um tipo de religiosidade mais emocional e intimista com a RCC e sobretudo com o apelo dos padres cantores; ocorre paradoxalmente uma volta a matrizes da instituição que reforçam o tradicionalismo [6] religioso.
A conexão entre método e conteúdo feita por Padre Marcelo explicita que o uso da mídia de maneira majoritária no catolicismo pela RCC é um elemento que relativiza as fronteiras entre o tradicional e seu contrário, ou segundo alguns autores, a, destradicionalização (Heelas,1996; Mariz e Machado,1998). Heelas chama a atenção para o fato de que os processos de destradicionalização não são construídos de maneira isolada de outros processos, mas se fazem de maneira reflexiva com a manutenção da tradição e a construção ou reconstrução das formas de vida tradicionais. Neste sentido, o movimento que alguns autores tendem a chamar de pós-moderno é algo mais do que esse conceito e algo menos que o conceito de tradição já que ele articula-se como garantia de sua sobrevivência nos moldes institucionais ao mesmo tempo em que promove uma ruptura com estes, através da relação que produz com os adeptos e na perspectiva extra-eclesial.
A ênfase na pertença institucional e a relação com a mídia constituem-se respectivamente como a tensão entre o tradicionalismo e o processo de destradicionalização. Quando o movimento de RCC demarca sua pertença ao catolicismo, ele valoriza e reforça o uso de elementos intrinsecamente ligados à tradição católica (símbolos, sacramentos etc); quando utiliza o tecnicismo midiático, embora também resgate esses elementos, o meio midiático -- dado o seu caráter imediato -- inicia o processo de destradicionalização. A relação extra-eclesial dos adeptos oferecida através da mídia, tende a constituir-se como menos tradicional, face à própria constituição da mídia.
O fato é que quando o movimento de RCC tenta atingir seu principal objetivo: "evangelizar", estabelece uma disputa no campo religioso brasileiro que constitui-se de uma dinâmica que cria cada vez mais novas formas de difusão interferindo logicamente nos conteúdos. A RCC não defende oficialmente a lógica consumista, mas para "evangelizar" instala-se com toda força no mercado [7] . Desse modo, a aproximação com igrejas pentecostais pode ser feita, considerando-se a forma que norteia a prática proselitista e que, no caso da RCC, é acentuada dentro do universo católico.
A "evangelização" no catolicismo via RCC parte da afirmação da identidade católica e imprime no campo religioso brasileiro uma sensação de reforço desse catolicismo. Nesse sentido o movimento estaria contribuindo para um processo de tradicionalização na medida em que enfatiza a necessidade de pertença institucional fortemente marcada pelos dogmas da Igreja. Mas, ainda há ausência de pesquisas que revelem crescimento de fiéis católicos a partir do "boom carismático".
Racional x Irracional: relativizando dicotomias
Padre Marcelo em entrevista recente [8] demonstrou certa ambigüidade quanto ao seu pertencimento à RCC. Comenta que um dos motivos que o fez retornar ao Movimento foi o incômodo que sentira ao assistir a uma missa em sua juventude, onde o padre celebrante apresentara um panorama político. Em outro momento da entrevista, ao comentar a crítica de "fuga da realidade" feita aos padres cantores pelo texto-base utilizado no Encontro Nacional de Presbíteros em São Paulo, Padre Marcelo afirma: "Isso podem falar da RCC. Não sou carismático". Depois, acrescenta que se considera padre da "Igreja Católica Apostólica Romana" porque "um sacerdote não pode estar preso a nenhum Movimento".
Retomando a expressão usada no texto base dos presbíteros e negada por Padre Marcelo como um tipo de conduta estimulada pelos padres cantores [9] cabe colocar a questão: O que significa "fugir da realidade" em se tratando do discurso religioso? A expressão " fuga da realidade" utilizada no texto-base, retomada pela imprensa e confirmada pelo Padre remetem a uma discussão mais ampla.
Uma das características destacada pela literatura sobre a Pós-modernidade é o caráter de questionamento do paradigma da racionalidade. Vários autores têm argumentado que os novos movimentos religiosos apresentam características pós-modernas por constituírem-se enquanto questionadores dos modelos de religião institucionalizados, havendo ainda uma forte discussão na literatura a respeito do aspecto irracional de determinadas religiões ou crenças religiosas nesse contexto (Magalhães, 1999 [10]).
A crítica à irracionalidade que tanto grupos pentecostais quanto carismáticos católicos recebem, está certamente marcada por uma maneira iluminista de analisar a realidade onde opõe-se elementos naturalizados como antagônicos e recorre-se à adequação do grupo ou movimento religioso em um ou outro lado, num esforço por definições e enquadramentos analíticos.
A experiência religiosa que fiéis e clero adeptos do Movimento experimentam, pode ser lida sob uma nova ótica que analisa a crença como um elemento objetivo que imprime significação ao indivíduo que crê. Neste sentido a experiência emocional não altera necessariamente a conduta, mas confere uma certa sacralidade e soberania à existência promovida pelo sentimento de acesso ao sagrado, ao Deus transcendente cristão. A RCC reforça então o individualismo ao incentivar a "experiência pessoal" extraordinária (acesso a dons como cura, profecia etc) conferindo a seus adeptos e praticantes um sentimento redentorista [11]. A idéia de "privatização" do indivíduo como nos termos de Norbert Elias (1994) pode ser aqui retomada para ser pensada como um dos efeitos da RCC. O indivíduo tem a sensação de ser "internamente" algo desvinculado integralmente da relação com os outros. A experiência religiosa vivida pelos adeptos do Movimento de RCC, em contexto midiático, parece estimular esta desvinculação entre indivíduo e sociedade, produzindo o " muro invisível" proposto por Elias. Este autor chama a atenção para o fato de que, paradoxalmente, esse processo de individualização questiona o outro que o produziu, ou seja , o "civilizador".
Esta tensão inerente ao contexto de modernidade contemporânea sugere que as análises dos movimentos religiosos devem ser colocadas em novos termos.
O irracional [12] então está fortemente relacionado com o racional: à medida em que o fiel experimenta os dons do Espírito Santo, ele está convocado a investir na expansão desta experiência de maneira sistemática e programada, seja através da expansão dos grupos de oração, seja através da participação em eventos de massa, seja através do uso de acessórios que veiculam mensagens evangelizadoras. Esta prática racional não se realiza sem a experiência.
A expressão "fuga da realidade" no contexto aqui resgatado parece partir de um pressuposto de existência do modelo analítico que considera a realidade como uma situação ou estado ao qual o indivíduo possui controle pleno. E consequentemente, seria negativa uma experiência religiosa que fomentasse um estado de existência incapaz de compreender e de certa forma exercer controle sobre o "real". Não obstante, a "realidade", está sendo pensada por três representantes de grupos sociais diferenciados de maneira similar: 1) a CNBB - texto base para os presbíteros : critica a "fuga da realidade" que o trabalho dos padres cantores suscita; 2) a mídia - através do jornalista: aplica o termo nos mesmos moldes da CNBB ao Padre Marcelo; 3) Os padres cantores, representados por Padre Marcelo - negam o efeito "fuga da realidade" provocado por seu trabalho, considerando que este seria um efeito negativo.
Os três grupos, possuem uma visão de experiência religiosa que deve estar pautada na vivência de algo "real" ou que esteja na "realidade", portanto que não comprometa o consciente, o racional. A visão de realidade nesse caso se coloca numa relação intrínseca com a consciência que o indivíduo possui da própria experiência. Esta é uma falsa noção que pode facilmente ser contestada pela literatura que vem discutindo os incômodos da contraposição entre "racionalismo e "irracionalismo" [13] a partir de uma maior valorização de sentidos e sinais que ajudam a decifrar a realidade. Segundo Ginzburg, o modo analítico indiciário propicia uma mudança importante de perspectiva. Em se tratando de religião, pode-se afirmar que os movimentos que possuem ênfase na experiência sentida, podem ser analisados numa tentativa de superação de antíteses na medida em que os indícios - nesse caso, a experiência - denotam a existência de novas formas de saber neles contidas.
O Movimento da RCC coloca de maneira clara a necessidade de supressão dos chavões. A questão é que embora seja consenso por parte de vários autores a necessidade de se romper com os paradigmas dicotômicos [14], alguns autores ainda analisam o Movimento considerando sua aproximação ou afastamento de uma proposta doutrinária de Igreja, sua relação com a política a fim de analisar se produz ou não efeitos de transformação social (Carranza, 2000; Prandi,1997; Marques, 1999) etc.
Para a análise sociológica da religião, o Movimento de RCC inaugura uma possibilidade de leitura do catolicismo que não seja a de consideração de sua hegemonia doutrinária, mas antes a dinâmica própria do movimento, sua lógica interna e a identificação das formas de assimilação dos fiéis da mensagem por ele proposta.
O Padre e a mídia: interfaces e projeções
Para um padre que possui aproximadamente 06 anos de ordenação, a produção de Marcelo Rossi é significativa. Com aproximadamente 6 milhões de discos vendidos e seis livros editados [15], onde o último lançamento reuniu 25.000 pessoas, Padre Marcelo Rossi tem suscitado o interesse da mídia em geral. Especialmente a mídia eletrônica tem estabelecido uma disputa acirrada pela presença do padre nos programas de auditórios e entrevistas.
Mas Padre Marcelo Rossi não se restringe a um determinado tipo de meio eletrônico, mas tem utilizado todo e qualquer canal de veiculação de suas mensagens (sites na internet, revistas em geral, rádios). Embora esteja produzindo espetáculos religiosos através das celebrações que reúnem milhares de pessoas, o padre não quer ser comparado a um pop-star, expressão recorrente na linguagem jornalística para se referir a ele.
Vários estudos tem demonstrado interesse em analisar a relação do movimento de RCC e a mídia ressaltando que este avanço do catolicismo na TV faz parte de uma espécie de disputa do campo religioso que vem se dando, sobretudo, com o avanço do pentecostalismo midiático no Brasil (Oro, 1996; Mariz, 1998). Mariz ressalta ainda que não apenas o avanço do pentecostalismo propiciou a investida do catolicismo nos meios de comunicação de massa, mas também mudanças internas à própria instituição.
A figura do Padre Marcelo, entretanto, tem um efeito na sociedade brasileira que poderia ser denominado de "caminho do meio". Sua imagem é invocada para pensar a modernidade do catolicismo, mas também seu caráter pré-moderno no sentido de que embora haja utilização de veículos seculares de comunicação, inovação no ritual e assimilação das técnicas de comunicação, o padre sustenta fortemente sua pertença institucional através do uso de "sinais distintivos de sua condição". Para Benedetti (1999) [16] o novo clero restaura um modelo de padres que fôra colocado em crise com o Concílio Vaticano II.
Padre Marcelo é pensado, segundo um dos principais nomes do marketing católico - Antônio Miguel Kater Filho - como o melhor "produto" do catolicismo por reunir as características de uma padre ideal ("simplicidade e apelo emocional") e de acordo com a lógica de mercado, precisa ser ofertado para ser consumido. Portanto, não apenas a mídia secular o vê como um importante produto, mas também os consultores católicos o vêem.
Ver não apenas as celebrações de Padre Marcelo na TV, mas suas entrevistas e apresentações suscitam na comunidade católica carismática uma sensação de sucesso, de difusão do objetivo primeiro que é "evangelizar". Bourdieu (1997) afirma que o uso ordinário da televisão produz "efeitos sociais de mobilização" ou de desmobilização, fazendo crer no que faz ver. A peculiaridade da TV, segundo o autor, seria o modo paradoxal com o qual opera ocultando e mostrando um evento a partir de um princípio de seleção.
Em se tratando de religião, esta característica inerente ao meio televisivo apontada por Bourdieu, contribui para pensar na eficácia do Movimento de RCC. Se levarmos em conta o caráter espetacular da TV, na medida em que um evento é dramatizado, o efeito social da imagem sobre o indivíduo estimula a crença e até mesmo a adesão levando-o a buscar no Movimento a representação produzida pela TV. Nesse sentido, eu indicaria como um possível desgaste do movimento frente ao "público", o descompasso entre a imagem da RCC representada na mídia através do Padre Marcelo e a comunidade paroquial com toda a sua burocracia. Diferente de Carranza (2000) analiso que a burocratização do movimento é fator de sua expansão, mas a burocracia paroquial, em descompasso com a espiritualidade destensionada do movimento de RCC difundido pela TV pode produzir seu próprio desgaste.
Mas a mídia em geral não está tão preocupada na avaliação da eficácia do Padre Marcelo para o movimento de RCC, mas muito mais com a eficácia de sua aparição para os pontos de audiência [17].
A mídia no Brasil tende a usar uma linguagem comparativa ao referir-se ao Padre Marcelo Rossi e suas celebrações com a Teologia da Libertação e a capacidade desta última de comunicação com as massas. Uma matéria intitulada "Eucaristia não é show" [18] retrata a opinião de um bispo da "corrente progressista da Igreja Católica", D. Pedro Casaldáliga, a respeito do Padre Marcelo e da religiosidade que ele oferece: "uma coisa é um cantor, um ator. Outra é um padre-cantor ou um padre-ator".
A mídia costuma apresentar com freqüência a opinião de Padre Marcelo sobre a sua própria performance: "Sou um padre, não um artista"; "Se eu perceber que não vou evangelizar, não comparecerei" [19]. Esta tentativa de demonstração de uma possível tensão vivida por Padre Marcelo a respeito do uso da mídia tem um efeito positivo entre os fiéis. Ao final das contas, na visão dos fiéis o padre quer "evangelizar", mas não fazer parte do jogo competitivo colocado pelas emissoras televisivas. A ênfase da mídia sobre uma possível " crise" vivida pelo padre, possui um efeito positivo frente à comunidade católica denotando seu empenho de fidelidade à difusão da mensagem evangelizadora e um distanciamento das disputas midiáticas.
Padre Marcelo refere-se à mídia em alguns momentos como uma aliada e em outros como uma inimiga. Seu discurso é permeado de cuidados com a linguagem que, entretanto em alguns casos explicita seu lugar na instituição e aponta alguns indícios de possível esgotamento.
Analisando suas últimas entrevistas podemos apontar:
Esses itens podem ser analisados como sintomas de um certo desgaste da relação Padre Marcelo e mídia que posteriormente pode enfraquecer a atuação do movimento de RCC ao menos diante da mídia secular. Mas, este ponto merece certamente maiores investigações.
Considerações finais:
O Movimento da RCC vem sendo tratado pela literatura como mobilizador de multidões e se auto-intitula como um movimento de "reavivamento" da Igreja face à sua grande expansão. Se no início da década de 80, sua difusão ocorria no Brasil através dos encontros nas casas de lideranças e dos grupos e oração paroquiais, atualmente constata-se sua grande inserção na mídia, especialmente televisiva através de Redes confessionais (Rede Vida, Canção Nova e mais recentemente, Século 21) e seculares. Este movimento de difusão denota ampla estrutura organizacional da RCC que vem sendo interpretada como uma estratégia de enfrentamento do avanço pentecostal pelo catolicismo.
A lógica " evangelizadora" do Movimento realizada através da mídia compromete significativamente o conteúdo de sua mensagem, à medida em que a adaptação ao meio midiático, sobretudo televisivo, articula representação e ação ao tecnicismo, caricaturando a atuação de padre Marcelo [20].
Mais do que pensar de maneira a estabelecer comparações com pentecostais ou apontar o movimento como uma reação ao avanço pentecostal, sugiro que o Movimento produz de maneira paradoxal possibilidades de avanços e retrocessos face à própria dinâmica instituída de relação com a mídia mais ampla. Nesse sentido, deve-se colocar na pauta de análise da RCC a inter-relação que ele sugere entre racional e irracional na medida em que o estabelecimento de estratégias de divulgação e inserção na Igreja é realizado através de indivíduos que viveram a experiência religiosa. A partir de sua experiência esses indivíduos adotam uma postura racional visando a expansão do Movimento. É interessante notar que mesmo o atual consultor de marketing católico relatou sua experiência negativa com as missas tradicionais e o entusiasmo com a pregação de um pastor evangélico [21].
O processo de individualização que o movimento de RCC produz pode ser lido na ótica da pós-modernidade, contudo a ênfase na pertença institucional e o reforço da imagem religiosa no sentido estrito, divulgada de maneira especial por Padre Marcelo Rossi [22] parece destoar com a proposta modernizante do movimento, podendo provocar em médio prazo, a partir do descompasso entre representação midiática e cotidiano, seu próprio esgotamento.
Notas de rodapé
Referências Bibliográficas:
Benedetti, Luis R. (1999) "O novo Clero": arcaico ou moderno? REB vol. 59, n. 233 Petrópolis, RJ: Vozes
Bourdieu, P. (1997) Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Carranza, Brenda (2000) Renovação Carismática Católica: origens, mudanças e tendências. Aparecida, São Paulo: Santuário
Elias, Norbert (1994) A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar
Fernandes, Rubem César e outros (1998) Novo Nascimento: os evangélicos em Casa, na Igreja e na política. Rio de Janeiro: Mauad
Ginzburg, Carlo (1999) Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e história. São Paulo: Cia das Letras
Heelas, Paul (1996) "Detraditionalization and its rivals" . Detraditionalization: critical reflections on authority and identity. Oxford. Blackwell
Hervieu-Léger, Daniele (1989) "Tradition, Innovation and Modernity" Revista Social Compass. Vol. 36 n. 1
Magalhães, Fernando (1999) O presente como passado. Irracionalismo e pensamento subjetivo pós-moderno. Ver. Síntese vol.26 n. 86. São Paulo: Loyola
Mariz, Cecília (1998). "A Rede Vida": o catolicismo na TV. Cadernos de Antropologia e Imagem. N. 7. Rio de Janeiro: EDUERJ
Mariz, C. e Machado, M. D.(1998) "Mudanças recentes no campo religioso brasileiro. Mimeo.
Marques, Luis Henrique (1999) Rede Vida de Televisão: análise da prática comunicacional da Igreja Católica no Brasil a partir de um referencial. Bauru: UNESP. Dissertação de mestrado. Faculdade de arquitetura, artes e comunicação.
Ofensiva Nacional (1993) "E sereis minhas testemunhas" 1: Ofensiva nacional/Aparecida, SP: Editora Santuário
Oro, Ari P. (1996) Avanço pentecostal e reação católica. Petrópolis, RJ: Vozes
Prandi, Reginaldo (1997) Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.
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